Investigadores apuraram que quadrilha prometia ‘rentabilidade estratosférica’ para pessoas que eram levadas a crer que haviam sido ‘escolhidas por Deus’ para receber ‘benção
Alvo da Operação Falso Profeta, deflagrada nesta quarta-feira pela Polícia Civil do Distrito Federal, Osório José Lopes Júnior é considerado foragido. Ele é apontado como líder de um esquema que contava com dezenas de lideranças religiosas e teria feito mais de 50 mil vítimas no país. No Instagram, onde se apresenta como “empresário, teólogo, conferencista e escritor”, o suposto pastor soma mais de 60 mil seguidores. Osório acumula diversas acusações de vítimas que apontam terem feito depósitos na conta do religioso após a promessa de receberem, em retorno, valores milionários.
Osório chegou a ser preso em maio de 2018, mas depois foi liberado para responder em liberdade. Investigadores apontaram que, na época, o pastor e outras duas pessoas haviam conseguido cerca de R$ 15 milhões com um golpe. Ele afirmou que precisava de dinheiro para resgatar um título bilionário a que tinha direito e prometia lucros de até dez vezes para quem lhe enviasse aportes.
Em março do ano passado, Osório foi denunciado pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) pelo crime de estelionato com uso de fraude eletrônica. Isso depois de prometer retornos financeiros de “R$ 2 quatrilhões” para pessoas que fizessem depósitos na conta dele. Segundo a promotora de Justiça autora da denúncia, só uma vítima teve prejuízo de R$ 297,500 mil.
Antes de agir em São Paulo, ele operava em Goiás “angariando vítimas em cultos religiosos e oferecendo rendimentos impossíveis de serem alcançados”, segundo o MP-SP. De acordo com a denúncia, o homem usava um canal no YouTube para “se apresentar como uma autoridade religiosa ilibada e oferecer ganhos mirabolantes em investimentos inexistentes”.
“As vítimas, ludibriadas pelo uso do elemento de autoridade religiosa pelo denunciado para dar credibilidade à sua fala, facilmente entregam-lhes o dinheiro solicitado”, diz a denúncia.
Na época, o Fantástico, da TV Globo, o MP apontou que o religioso já havia acumulado R$ 15 milhões, atuando em Goianésia (GO). Vítimas contaram ao programa que entregaram casas e carros mediante a promessa de receberem, de volta, uma rentabilidade milionária. Quando era cobrado, o pastor apontava que as vítimas receberiam uma “benção especial”. O pastor nega as acusações”.
Enquanto “enrolava” as vítimas, Osório levava uma vida de luxo, com viagens de helicóptero e carros de luxo, e andava escoltado por seguranças. Segundo o Fantástico, em vídeo nas redes sociais, Osório creditou a origem do dinheiro a uma “oração” por um “bilionário no Brasil”. Em troca, teria recebido papéis do “Tesouro Mundial” que valeriam “muito dinheiro”. O Banco Central e o Tesouro Nacional negaram à reportagem haver qualquer papel do tipo.
Ainda em março de 2022, a Justiça de São Paulo determinou que o canal do pastor no YouTube fosse retirado do ar. O Ministério Público de Goiás denunciou o pastor logo depois do MP-SP. Mas a Justiça goiana negou o pedido de prisão preventiva do pastor — a juíza responsável pelo caso citou, na ocasião, que as queixas contra o religioso eram analisadas pelo Judiciário paulista.
Em novembro, o pastor afirmou à Justiça de Goiás que pretendia devolver o dinheiro às vítimas. Ele afirmou, na ocasião, que os valores recebidos eram “empréstimos” e que precisava de cinco meses para efetuar o estorno.
Operação mira pastores golpistas
Agentes da Polícia Civil do Distrito Federal cumpriram, na manhã desta quarta-feira (20), dois mandados de prisão preventiva e 16 de busca e apreensão contra integrantes de uma organização suspeita de praticar estelionato e outros crimes no DF e em quase todas as unidades da federação. De acordo com os investigadores, o golpe pode ser considerado um dos maiores já apurados no país, já que o grupo, composto por dezenas de lideranças religiosas, é suspeito de ter feito mais de 50 mil vítimas pelo país.
Cem policiais saíram às ruas nesta quarta para fazer buscas em endereços do DF e de quatro estados –Goiás, Mato Grosso, Paraná e São Paulo. A Justiça também autorizou o bloqueio de valores, redes sociais e a proibição do uso de mídias digitais por parte dos suspeitos.
De acordo com a PCDF, o grupo movimentou mais de R$ 156 milhões nos últimos cinco anos e utilizou cerca de quarenta empresas “fantasmas” e de fachada e mais de oitocentas contas bancárias suspeitas para forjar o esquema.
Os suspeitos são acusados de formar uma “rede criminosa organizada, estruturalmente ordenada, hierarquizada e caracterizada pela divisão de tarefas, especializada no cometimento de diversos crimes como falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e estelionatos por meio de redes sociais (fraude eletrônica)”. O objetivo dos golpistas, segundo a polícia, seria obter vantagem econômica às custas das vítimas.
As investigações apontam que as vítimas, no Brasil e no exterior, foram induzidas a investir dinheiro com a promessa de receberem, de volta, no futuro, valores milionários. A polícia apurou, por exemplo, que os criminosos prometiam o retorno de “um octilhão de reais” se a pessoa fizesse apenas um depósito de apenas R$ 25. Outras vítimas foram levadas a crer que ganhariam “350 bilhões de centilhões de euros” se concluíssem um aporte de R$ 2 mil.
Em dezembro, a polícia chegou a prender em Brasília um dos suspeitos de envolvimento no esquema. Na ocasião, ele usou um documento falso numa agência bancária para simular ter um crédito de cerca de R$ 17 bilhões. Preso em flagrante, Paulo Roberto Salomão foi descrito pelos investigadores como “o principal influenciador digital” da quadrilha. O grupo continuou a aplicar golpes mesmo após essa detenção.
Quadrilha de 200 integrantes, incluindo lideranças evangélicas
Os integrantes da quadrilha convenciam as vítimas a investir por meio de conversas enganosas nas redes sociais (Youtube, Telegram, Instagram, Whatsapp, etc.) “abusando da fé alheia, da crença religiosa e invocando de uma teoria conspiratória apelidada de ‘Nesara Gesara'” (uma suposta alteração na economia global em que seria possível ganhar muito, investindo pouco).
Segundo a polícia, a maioria das vítimas era evangélica e era levada a investir economias em falsas operações financeiras ou falsos projetos de ações humanitárias. Em troca, receberiam “retorno financeiro imediato”, com “rentabilidade estratosférica”.
A investigação começou há um ano. Segundo a Polícia Civil do DF, o grupo é composto por cerca de 200 integrantes, incluindo dezenas de lideranças evangélicas intitulados pastores. Os religiosos são acusados de induzir as vítimas ao erro — normalmente, fiéis que frequentam suas igrejas e que eram levados a acreditar que eram escolhidos por Deus para receber a “benção”, isto é, quantias milionárias.
Os investigadores destacaram que o grupo mantinha empresas “fantasmas” e de fachada que simulavam ser instituições financeiras digitais (falsos bancos), com alto capital declarado. As vítimas eram enganadas que receberiam o dinheiro por meio dessas instituições.
Para dar uma aparência de legalidade à operações, o grupo fazia contratos falsos com as vítimas, nos quais prometiam a liberação de “quantias surreais provenientes de inexistentes títulos de investimento”. O grupo afirmava que tais títulos estavam registrados no Banco Central do Brasil (Bacen) e no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
“Os alvos poderão responder, a depender de sua participação no esquema, pelo cometimento dos delitos de estelionato, falsificação de documentos, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, crimes contra a ordem tributária e organização criminosa”, afirmou a PCDF, em nota.
Por Júlia Cople/ O Globo